sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A imperiosa necessidade de um mundo radicalmente novo e a urgência da hora - Texto de István Mészáros

O século XX foi marcado pela sucessão de graves crises e até mesmo duas guerras mundiais. Ao mesmo tempo, as intermináveis promessas de reforma da ordem estabelecida, visando a eliminar a miséria que a maioria da humanidade é forçada a suportar, tudo isso acabou em nada. Quem pode dizer hoje que as perspectivas para o século XXI são melhores?

A brutal realidade das guerras continua a preencher os nossos jornais diários, e a doutrina oficial dos EUA declarou recentemente a estratégia das “guerras infinitas”, incluindo a cínica reivindicação de “legitimidade moral” para o uso de armas nucleares de forma preventiva contra qualquer adversário escolhido arbitrariamente. Além disso, no que concerne às horríveis desigualdades do nosso mundo social, não há propaganda do sistema que seja suficiente para ornamentar a dolorosa e óbvia realidade atual: “Segundo um relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, os 1% mais ricos do mundo têm uma renda igual aos 57% mais pobres. A separação de renda entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres subiu, de 30 para 1 em 1960, para 60 para 1 em 1990 e 74 para 1 em 1999, e está projetada para alcançar 100 para 1 em 2015. Em 1999-2000, 2,8 bilhões de pessoas viveram com menos de 2 dólares por dia, 840 milhões estavam subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a qualquer forma de benfeitorias no serviço de saneamento básico e uma em cada seis crianças do mundo em idade escolar primária não estava na escola. Estima-se que cerca de 50% da força de trabalho global não-agrícola estejam ou desempregados ou subempregados”.(1)

Assim as contínuas tendências de desenvolvimento, que deveriam demonstrar uma melhora significativa e constante, apontam inexoravelmente na direção oposta. Isso não é acidental, mas devido às profundas determinações causais de um sistema social incuravelmente injusto. Por isso não é mais possível evitar-se questionar a própria natureza de nossa sociedade, se estamos seriamente interessados em reverter as tendências negativas predominantes.

Os dilemas da humanidade hoje são inseparáveis dos perigos terminais que temos de encarar, em vista das forças destrutivas, historicamente sem precedentes, que se encontram à disposição dos que estão administrando o poder. Ninguém deve ter a ilusão de que eles poderiam hesitar em usar as forças de destruição quando a sua regra de exploração for ameaçada. As novas “doutrinas estratégicas” do imperialismo hegemônico global falam claro e suficientemente alto sobre essa realidade.

Tudo isso faz com que a criação de uma ordem social alternativa e sustentável seja não somente desejada, mas também vitalmente necessária e urgente no nosso tempo.

A ideologia do poder mantém o seu controle sobre a consciência popular, pregando com sucesso a eterna validade do sistema de capital estabelecido. Segundo esta visão, somente mudanças marginais e pequenas são necessárias, para que sejam bem acomodadas dentro de seus sistemas estruturais de reprodução social, tidos como anistóricos e eternamente adequados.

Tudo está completamente invertido nesse discurso. Ele não apenas distorce a verdade, mas também oferece para o consumo geral exatamente o seu oposto. Entretanto, apesar de toda mistificação autojustificável que tenta representar o capital como um sistema natural e eterno, nós estamos na verdade falando de um modo de reprodução social metabólica e historicamente limitado, e unicamente restrito no tempo – que, afinal, não pode ser atingido. Isso acontece por três razões principais:

A primeira razão é o imperativo do crescimento como auto-expansão do capital. Em outras palavras, trata-se da busca irrestrita de acumulação de capital, independentemente de quão danosos ou mesmo completamente destrutivos possam ser os seus efeitos.

Em segundo lugar, a tendência do capital para a integração global no plano econômico nitidamente se contradiz por suas necessárias implicações no plano político, uma vez que o modus operandi do sistema se dá permanentemente na forma de dominação e subordinação em todos os sentidos, incluindo a subjugação dos Estados Nacionais mais fracos pelos mais fortes sob o poder do imperialismo moderno, tendo como lógica final – e totalmente louca – uma “superpotência” submeter a si todas as outras, na vã esperança de assegurar que sua própria dominação se mantenha incontestável, como se fosse o estado geral do sistema do capital.

O terceiro motivo diz respeito ao círculo vicioso de competição e monopólio, que acaba prevalecendo no sentido insustentável de uma competição incontrolável gerando monopólio, que traz consigo uma competição cada vez mais feroz e mais destrutiva, em um processo sem fim de determinações recíprocas.

Nesses três aspectos, estamos preocupados com as insuperáveis determinações internas autocontraditórias do sistema de capital, que se tornam totalmente ativadas e intensificadas em nosso tempo. Eis o que confere uma extrema urgência a esses assuntos, exigindo o imperativo de uma intervenção radical para que se possam superar as tendências destrutivas.

Inevitavelmente, porém, a estratégia de intervenções práticas e radicais não pode ser bem-sucedida sem se desmistificar o próprio sistema, quer em suas determinações fundamentais, quer em suas alegações de validade atemporal. Do contrário, ficaremos presos à armadilha da lógica perversa do capital e às suas autojustificativas ideológicas. É suficiente recordar, neste caso, a mitologia da “objetividade” da ordem estabelecida, da “neutralidade” ideológica, a sua presumida dedicação em promover a “livre concorrência” (com um profundo silêncio sobre a tendência monopolista concomitante), bem como a “liberdade e democracia”, ou o que quer que sirva aos propósitos de deturpar – conscientemente ou não, mas com certeza cada vez mais cinicamente nos dias de hoje – o real estado das coisas.

Os discursos do presidente norte-americano – guarnecidos com tachões, como a jaqueta de pearly king com infindáveis botões brilhantes, tal qual os bombásticos slogans de “liberdade e democracia”,(2) ainda que em meio a uma das mais agressivas guerras empreendidas pelo seu país – ilustram muito bem o abismo que separa a realidade sensata da ordem estabelecida, assim como a prática poderosamente institucionalizada e ritualizada da mistificação ideológica. Uma confiança totalmente consciente e desafiadora no poder da ideologia emancipatória é o componente necessário para confrontar essas questões de maneira adequada, em vez de capitular diante das racionalizações que nos autodesarmam sobre a “objetividade antiideológica” e a neutralidade fictícia.

É importante enfatizar aqui que a viabilidade histórica do capital está seriamente afetada, no sentido negativo do termo, não somente pelos limites absolutos do sistema, mas também pela sua total incapacidade em admitir a existência de qualquer limite. Para compreender a evidência desses limites absolutos, há que se considerar que:

a) O horizonte de tempo do sistema é necessariamente de curto prazo, e não pode ser nada mais do que isso, tendo em vista as sucessivas pressões da concorrência e do monopólio e as resultantes formas de imposição da dominação e subordinação, com o intuito do ganho imediato.

b) Esse horizonte de tempo possui também um caráter post festum, ou seja, só é capaz de adotar métodos corretivos após o dano ter sido cometido, e mesmo assim tais medidas corretivas só podem ser introduzidas de uma maneira muito limitada.

c) Como resultado dessas duas determinações supramencionadas, o sistema se torna incompatível com qualquer tipo de planejamento que não seja no sentido o mais míope possível do termo. Isso acontece com as gigantes e quase monopolísticas empresas transnacionais, pois mesmo as maiores corporações só podem instituir um limitado planejamento post festum em determinadas empresas (se chegam a tanto), mas são incapazes de controlar sozinhas os seus próprios mercados globais, exceto de maneira estritamente limitada e conflituosa. A importância dessa limitação sistêmica não pode ser exagerada, especialmente sob as circunstâncias históricas hoje observáveis, tendendo em direção a uma integração econômica global, aliada às suas contradições fatais, quando a necessidade de uma forma viável de planejamento completo seria inteiramente vital.

d) A relação entre causa e efeito está estruturalmente viciada pelo sistema de capital. Isso se deve às determinações causais internas do capital, que não podem nunca ser postas sob um exame crítico sério e minucioso. Em outras palavras, esse sistema se impulsiona adiante implacavelmente, sem se questionar, como se fosse absolutamente causa sui. Em conseqüência, o capital é estruturalmente incapaz de apontar as causas que historicamente surgem como causas. Deve operar, mesmo nas suas mais sérias tentativas para introduzir algumas medidas corretivas post festum, de maneira a responder aos efeitos (bons ou maus), empilhando efeitos sobre outros efeitos, como uma regra de forma a gerar repetidamente efeitos contrários geradores de problemas, em sintonia com as limitações da ordem estabelecida no horizonte de tempo a curto prazo. Do mesmo modo, o que é freqüentemente descrito de maneira infeliz como uma “manipulação” consiste, na verdade, em nada mais nem menos do que uma característica contingente do sistema do capital, facilmente corrigível. Trata-se de uma de suas determinações fundamentais – poder-se-ia dizer ontológica -, que poderia ser remediada adotando-se uma forma radicalmente diferente de se relacionar com as causas, tratando-as como causas estruturalmente significantes, em vez de lidar com elas como efeitos mais ou menos e arbitrariamente tratáveis. Para essa solução alternativa, entretanto, seria necessário superar os constrangimentos estruturais do próprio capital, transcendendo-os em direção a uma nova ordem metabólica de produção e reprodução social mais elevada. Afinal, o significado dos imperativos estruturais é precisamente o fato de que é impossível alterá-los significativamente sem considerar uma construção que seja livre das necessárias limitações destrutivas da ordem estabelecida. Comparativamente, conceituar o mundo do ponto de vista do capital continua sendo uma desvantagem insuperável, mesmo para os grandes pensadores que se identificam com o ponto de vista do capital, inclusive Kant, Adam Smith e Hegel.

e) O último ponto a ser mencionado, neste breve levantamento dos limites absolutos do sistema de capital, é a caprichosa eternalização de uma ordem historicamente específica e única, o controle social metabólico tratado atemporalmente, não como assunto de determinações temporais bem identificadas, mas em si mesmas, como se estivessem acima da história e fossem capazes de assumir o papel de juiz final sobre esta. No decorrer dos desenvolvimentos capitalistas, mesmo o reconhecimento parcial da dimensão histórica por grandes pensadores que conceituaram o mundo do ponto de vista da capital, como Kant, Adam Smith e Hegel, já aludidos, teve que ser deixado para trás em favor de uma liquidação sem reservas da consciência do tempo histórico.

A singularidade do sistema de capital se manifesta no imperativo estrutural de “crescer inexoravelmente ou perecer”. Em toda a história humana, nenhum outro sistema de reprodução social metabólica se pareceu, nem mesmo remotamente, com essa determinação interna e totalmente problemática do capital. Essa determinação estrutural também revela o completo engano, do ponto de vista social, de apenas servir a si mesmo [self-serving]; o engano de representar, tão mal, por sinal, a ordem reprodutiva do capital como uma lei universal insuperável, arbitariamente projetada de frente pra trás nos mais remotos cantos da história. Trata-se de uma regra “universal” decretada arbitrariamente e para a qual, segundo os apologetas do sistema, “não há alternativa” com certeza.

O que torna todo esse desenvolvimento extremamente problemático é o fato de que as determinações primárias do sistema de capital orientam-se, perversamente, de cabeça para baixo,(3) isto é, para a auto-expansão do capital como tal e não, ou apenas coincidentemente, para o crescimento dos valores de uso que correspondem a genuínas necessidades humanas. É por este motivo que uma característica dinâmica – que numa fase inicial do desenvolvimento histórico do capital representou um avanço positivo, caminhando de mãos dadas naquele momento com a satisfação legítima da necessidade humana – no nosso tempo se tornou potencialmente a mais destrutiva determinação. O interesse contraditório da motivação auto-expansiva do capital deve prevalecer, a todo custo e sob qualquer circunstância, mesmo quando os lucrativos valores de uso produzidos para essa motivação são os infernais materiais de guerra do complexo industrial militar (cujo valor de uso é a destruição), capazes de exterminar toda a humanidade com as armas reais de destruição em massa do imperialismo hegemônico global.

A mesma reviravolta de uma característica positiva digna se evidencia também, no decorrer do desenvolvimento capitalista, no que concerne à concorrência, marcada pelo eterno papel dominante assumido pelo monopólio, como resultado das crescentes indeterminações negativas de um sistema historicamente único. Desde que o círculo vicioso da concorrência tendente ao monopólio, e do monopólio acarretando concorrência mais acirrada, não pode ser rompido, o resultado é necessariamente o aumento da concentração e centralização do capital, a constituição de empresas mais e mais poderosas, as gigantes corporações transnacionais que dominam a cena, sem o menor decréscimo em seu apetite por devorar os seus concorrentes. Assim o crescimento, como auto-expansão do capital, se torna um esmagador fim em si mesmo, excluindo toda consideração a respeito de um valor inerente das metas adotadas em relação a objetivos humanos genuínos. Muito pelo contrário. A total ausência de uma medida humana adequada para se avaliar a viabilidade do processo de produção e reprodução a longo prazo e o fato de sua reposição basear-se apenas na consideração da acumulação de capital como o fim único em si mesmo, perigosamente, abrem as portas para o avanço inexorável de um crescimento canceroso, perseguido com o intuito da expansão do lucro e a promessa de vantagens futuras na disputa pela dominação quase-monopolista.

A conseqüência destrutiva dessa lógica perversa é dupla: primeiro, no plano econômico, o imperativo do crescimento, sempre mantido ainda que tome a forma de um crescimento canceroso, leva à completa negligência quanto à salvaguarda das condições elementares da existência humana. Isso se manifesta em práticas produtivas muito difundidas que põem em risco diretamente até mesmo o natural substratum da vida humana, de onde provém uma séria preocupação, geralmente expressa em relação à destruição do meio ambiente.(4) Não deve haver dúvidas, uma mudança neste ponto é condição absoluta de uma reprodução social sustentável – apesar do desdém calejado do sistema de capital, totalmente em sintonia com seu incurável horizonte de tempo a curto prazo, repudiá-la com os argumentos mais grotescos de evasão e racionalização, aliados a perigosas medidas práticas correspondentes.(5) Contudo, a cegueira induzida pelo horizonte de tempo do capital não torna a questão em si menos urgente; é preciso que se empreendam as ações corretivas necessárias enquanto ainda há tempo para fazê-lo, tendo em mente a sobrevivência humana.

Não deve haver dúvidas, uma mudança neste ponto é condição absoluta de uma reprodução social sustentável – apesar do desdém calejado do sistema de capital, totalmente em sintonia com seu incurável horizonte de tempo a curto prazo, repudiá-la com os argumentos mais grotescos de evasão e racionalização, aliados a perigosas medidas práticas correspondentes.(6) Contudo, a cegueira induzida pelo horizonte de tempo do capital não torna a questão em si menos urgente; é preciso que se empreendam as ações corretivas necessárias enquanto ainda há tempo para fazê-lo, tendo em mente a sobrevivência humana.

O segundo aspecto vital do crescimento canceroso totalmente subordinado aos imperativos destrutivos da expansão incontrolável do capital, e do concomitante círculo vicioso do monopólio e da concorrência, evidencia-se no plano político-militar, ao qual se recorre porque o impulso para a dominação monopolista não pode nunca ter as suas aspirações globais totalmente bem-sucedidas. Mesmo as mais poderosas corporações transnacionais não conseguem obter mais do que um quase-monopólio, e não uma posição de completo monopólio na ordem global. Isso, certamente, não é motivo para confiança e regozijo, pois a dimensão perigosa e destrutiva dessa tendência em si não diminui por tal limitação. Muito longe disso, essa limitação somente significa que a luta pela dominação global deve ser intensificada, alinhada ao sucesso relativo das gigantes empresas transnacionais, em seus próprios países e no cenário internacional. Conseqüentemente – em contraste com a antiga recomendação de Adam Smith para se manterem os políticos e o Estado fora dos desenvolvimentos econômicos em andamento, de modo a não se interferir no trabalho benevolente da “mão invisível” -, os Estados dos países imperialistas dominantes devem entrar diretamente em cena, sustentando, como todos os meios possíveis ao seu dispor, seus empreendimentos nacionais/transnacionais gigantescos, quando em confronto com os rivais. Assim, a questão do “complexo militar-industrial” não está confinada às imensas determinações devastadoras da produção militar, mas assume também uma forma direta militar-política, como demonstram as vicissitudes do imperialismo no século XX – e de acordo com as atuais tendências prevalentes, ainda mais perigosamente no século XXI. A nova fase do imperialismo hegemônico global, sendo os EUA a sua esmagadora força global dominante,(7) indica uma horrível intensificação dos perigos. Não se trata simplesmente de uma questão de contingente e de uma alterável “política das grandes potências”, mas, e muito mais importante, da manifestação de uma determinação sistêmica na atual fase do desenvolvimento histórico do capital, exigindo uma urgente atenção no seu próprio plano.

Naturalmente, todas essas tendências estão entrelaçadas com as mais profundas determinações de um sistema historicamente único. Assim, negar o seu próprio caráter histórico é conveniente, e se explica pelo desejo de perpetuar os interesses de exploração do poder, os quais podem ser imediatamente racionalizados mediante os postulados da “única eternalização viável” do sistema reprodutivo. A incômoda verdade é que o capital é incapaz de reconhecer os seus próprios limites, quando a questão a formular é: como poderemos remediar, de maneira humanamente sustentável, as contradições e perigos fatais do seu crescimento incontrolável?

Tal consideração é inteiramente inadmissível porque a relação com o crescimento constitui o círculo vicioso do sistema. Isto porque o capital impele o crescimento, de maneira absoluta e incontrolável, ao mesmo tempo que é impelido pelo crescimento a todo custo, como condição da sua – totalmente inatingível – sobrevivência. Os apologetas do sistema hoje ou negam insensivelmente que possa haver qualquer problema sério devido a essa modalidade predominante de crescimento, o que exigiria coações racionais, ou se engajam nas fantasias conservadoras sobre os “limites de crescimento”,(8) não levando em consideração as determinações perniciosas do capital e oferecendo quixotescamente como “solução” a imposição de uma ordem social ainda mais iníqua do que a atual. Em contraste, se retornamos ao século XIX, encontraremos pensadores liberais que conceituaram o mundo do ponto de vista do capital, como John Stuart Mill, mas que ainda estavam preparados para considerar os dilemas do crescimento a longo prazo. Na verdade, Mill também caiu na esperançosa armadilha da eternalização, tentando imaginar um futuro “estado estacionário”(8) da economia, sem nenhum crescimento. Mas a imagem projetada na sua forma eternalizante e autocontraditória se parecia muito mais com um verdadeiro pesadelo do que com uma solução viável.

É impossível encontrar soluções viáveis para todos os problemas com os quais nos deparamos no terreno do capital sem a total consciência das determinações históricas do sistema e das limitações estruturais correspondentes, em contraste com todas as teorias que visam a eternalizar até mesmo as características mais problemáticas e destrutivas. É importante também ter em mente que a determinação histórica desse modo de reprodução social metabólica é memorável, tanto no sentido de notável, por abranger vários séculos como período de tempo, quanto de característica de uma fase em particular do seu desenvolvimento. Ambos os sentidos podem ser muito diferentes, não em absoluto, mas na sua significância para o tipo de ação que deve ser levada a cabo para se ter um confronto bem-sucedido com os problemas identificados. Tomando um exemplo crucial, a busca de um crescimento incontrolável sempre foi uma característica fundamental do capital, como forma mais profunda de determinação sistêmica. Sem ela, a forma única de controle social metabólico não poderia ter conquistado o palco histórico da maneira que fez. Além disso, o caráter imensamente problemático do crescimento orientado para a acumulação de capital não foi um acréscimo mais ou menos acidental em um estágio tardio: foi também, desde o início do sistema, inseparável da natureza do capital, como a mais dinâmica forma de controlar a ordem de reprodução social metabólica conhecida pelos seres humanos na história até a manutenção desse sistema, culminando no momento em que chegou ao fim da sua fase de ascendência. Neste ponto, a segunda e mais específica dimensão da temporalidade histórica do capital se torna agudamente relevante. Pelas mesmas características sistêmicas do crescimento inexorável, profundamente cravadas na própria natureza do capital desde o momento da sua constituição, por meio da alienação e expropriação do trabalho, como um sistema de controle cada vez mais abrangente, uma certa fase do desenvolvimento histórico do capital se transforma em uma determinação potencialmente devastadora.

É a especificidade histórica dessa atual fase ameaçadora que nos impõe a tarefa de uma reavaliação radical da questão do crescimento. Não no sentido de uma pseudo-alternativa útil apenas para si mesma, de “crescimento ou não-crescimento”, mas que deixaria intactas as iniqüidades monstruosas do nosso mundo social, ou que as tornaria piores do que nunca. O crescimento deve ser reavaliado a partir de uma mobilização correta de material e recursos humanos, de um movimento de massas radical, para reorientar as nossas práticas de produção no sentido de realizar os necessários e legítimos objetivos sociais. Isso, porém, é inconcebível sem que se tragam sob um controle racional as forças destrutivas, inseparáveis das atuais modalidades de crescimento baseadas na incontrolável expansão do capital.

Esse é o sentido em que a urgência da hora é uma condição inevitável da nossa própria e tão difícil situação histórica.

Notas:

(1) Minqi Li, “After Neoliberalism: Empire, Social Democracy, or Socialism?”, Monthly Review, jan. 2004, p. 21.

(2) Há relatos de que apenas um dos discursos curtos de George W. Bush continha 37 dessas declarações.

(3) Trata-se de uma das questões vitais no que diz respeito a uma virada na relação entre as “mediações primárias e secundárias” no metabolismo social de reprodução. Recomento ao leitor interessado a discussão dessas questões no capitulo “Causalidade, tempo e formas de mediação”, em meu livro Para além do capital, publicado pela editora Boitempo, São Paulo, em 2002. Ver p. 175-215 dessa edição.

(4) Tenho discutido esses problemas desde 1971. Ver a seção “Capitalism and Environmental Destruction” na minha palestra no Isaac Deutscher Memorial, “The Necessity os Social Control”, proferida na London School of Economics, em janeiro de 1971, inicialmente publicada em um volume pela editora The Merlin Press em Londres, 1971, e reeditada na Parte IV do meu livro Para além do capital. Ver p. 983-1011 da edição brasileira. [Nota do editor: Esse texto, com o título A necessidade do controle social, foi publicado no Brasil na forma de livro pela editora Ensaio, São Paulo, em 1989.]

(5) Lembremos as violações arbitrárias, até mesmo de algumas obrigações adotadas por tratados, tais como a atitude irresponsável do governo dos EUA com relação aos acordos de Kyoto demonstraram.

(6) Para estarmos seguros, essa dominação – independentemente de quão cruel ela é até hoje – não pode ser mantida indefinidamente. É necessário sublinhar não somente o caráter perigoso da dominação dos EUA, mas também a sua instabilidade histórica e fracasso. No devido momento, os complexos problemas na raiz de tais determinações devem ser resolvidos para que se remova a instabilidade, senão a tendência a uma asserção ainda mais agressiva dos ditames dos EUA podem levar à destruição da espécie humana.

(7) Ver a famosa recomendação conservadora em Os limites do crescimento, publicada pelo conhecido Clube de Roma.

(8) Ver o capítulo correspondente no seu livro Economia política.

Texto retirado de:

Dilemas da humanidade: diálogos entre civilizações / organizadores: Marildo Menegat, Elaine Rossetti Behring, Virgínia Fontes; promotores MST, UFRJ, FSS/UERJ. - Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, p. 129-41.

Conferência internacional realizada entre 22 e 24 de julho de 2004, no Rio de Janeiro.

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